Fragmento de fala de Hannah Arendt em aula ministrada na New Yorker
School, conforme registrados aos 4 minutos do filme “Hannah Arendt”, de 2012.
- Entendam, a tradição ocidental parte
do pressuposto de que os piores atos que o homem pode cometer resultam do seu
egocentrismo. Mas, nesse século em que vivemos, o mal se revelou de uma forma
muita mais radical do que se podia prever.
Sabemos agora que o pior mal, o
mal radical, nada tem a ver com motivos humanamente compreensíveis e imorais como
o egocentrismo. Pelo contrário, está ligado principalmente ao seguinte fenômeno:
o de tornar o homem supérfluo.
O sistema reinante nos campos de
concentração visava convencer os prisioneiros de que eles eram supérfluos... antes
de serem mortos. Nos campos as pessoas tinham que aprender que a punição
aplicada a elas não se devia a um delito. Que a exploração não se dava para
trazer vantagens a ninguém, e que o trabalho não servia para gerar lucro. O
campo é um lugar onde cada fato, cada gesto, por definição, se despoja de
qualquer sentido. Em outras palavras, cria-se o absurdo.
Vou recapitular. Se é verdade que
na fase final do totalitarismo surge um mal absoluto - absoluto porque não pode ser imputado à razão
humana – logo, é igualmente verdade que sem ele, sem o totalitarismo, nunca se
teria conhecido a natureza do mal radical.
- Posso fazer-lhe uma pergunta
pessoal?
- Por favor.
- A senhora já esteve num campo?
- Fiquei internada durante certo
tempo no campo de Gurs, na França.
- Mas os franceses não estavam do
seu lado?
- No princípio, sim. Eles nos acolheram
[aos judeus]. Mas os alemães invadiram a França no dia 10 de maio de 1940, e
nossos amigos franceses logo nos mandaram para um campo de internação. Tornamo-nos
uma nova espécie de gente. Os inimigos nos mandavam para campos de concentração
e os amigos para campos de internação.
- E como conseguiu escapar?
- Eu e meu marido tivemos a sorte
de conseguir um visto para a América. Um visto. Não um passaporte. Durante 12
anos fomos apátridas [sem pátria].
- Qual foi sua primeira impressão
da América?
- O paraíso.

