domingo, 25 de março de 2018

Hannah Arendt II - Preleção


Fragmento de fala de Hannah Arendt em aula ministrada na New Yorker School, conforme registrados aos 4 minutos do filme “Hannah Arendt”, de 2012.

- Entendam, a tradição ocidental parte do pressuposto de que os piores atos que o homem pode cometer resultam do seu egocentrismo. Mas, nesse século em que vivemos, o mal se revelou de uma forma muita mais radical do que se podia prever.
Sabemos agora que o pior mal, o mal radical, nada tem a ver com motivos humanamente compreensíveis e imorais como o egocentrismo. Pelo contrário, está ligado principalmente ao seguinte fenômeno: o de tornar o homem supérfluo.
O sistema reinante nos campos de concentração visava convencer os prisioneiros de que eles eram supérfluos... antes de serem mortos. Nos campos as pessoas tinham que aprender que a punição aplicada a elas não se devia a um delito. Que a exploração não se dava para trazer vantagens a ninguém, e que o trabalho não servia para gerar lucro. O campo é um lugar onde cada fato, cada gesto, por definição, se despoja de qualquer sentido. Em outras palavras, cria-se o absurdo.
Vou recapitular. Se é verdade que na fase final do totalitarismo surge um mal absoluto -  absoluto porque não pode ser imputado à razão humana – logo, é igualmente verdade que sem ele, sem o totalitarismo, nunca se teria conhecido a natureza do mal radical.
- Posso fazer-lhe uma pergunta pessoal?
- Por favor.
- A senhora já esteve num campo?
- Fiquei internada durante certo tempo no campo de Gurs, na França.
- Mas os franceses não estavam do seu lado?
- No princípio, sim. Eles nos acolheram [aos judeus]. Mas os alemães invadiram a França no dia 10 de maio de 1940, e nossos amigos franceses logo nos mandaram para um campo de internação. Tornamo-nos uma nova espécie de gente. Os inimigos nos mandavam para campos de concentração e os amigos para campos de internação.
- E como conseguiu escapar?
- Eu e meu marido tivemos a sorte de conseguir um visto para a América. Um visto. Não um passaporte. Durante 12 anos fomos apátridas [sem pátria].
- Qual foi sua primeira impressão da América?
- O paraíso.

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