quarta-feira, 16 de maio de 2012

Disneyworld: a decodificação ideológica dos quadrinhos

 

(…) a atividade das personagens se desenrola à parte do mundo do trabalho, ou seja, há predominância dos casos de aventura, de atividades desenvolvidas durante o ócio, e em situações que são

a negação do cotidiano, do dia-a-dia de cada pessoa. Aliás, parece que algumas personagens noa trabalham nunca, e não sabemos muito claramente de onde vem o seu sustento: às vezes são muito ricas (e essa riqueza se acha desvinculada da ação que a produziu) ou, às vezes, vivem de expedientes, como Donald, que consegue inexplicavelmente manter um padrão médio de vida que lhe permite usufruir os benefícios da sociedade de consumo.

Geralmente, a classe proletária não é representada por nenhuma personagem, da mesma forma que a vida no campo é enfatizada sobretudo no seu aspecto de lazer, e não no da produção.

Segundo Dorfmann e Mattelart, [...], “no mundo de Disney, dos polos do processo capitalista produção-consumo só está presente o segundo. (...) Um exemplo: as profissões. A gente pertence sempre a estratos do setor terciário, isto é, dos que vendem seus serviços. Cabeleireiros, agências imobiliárias e de turismo, secretárias, vendedoras e vendedores de todo tipo (...) empregados de armazéns, padeiro, guarda-noturno, garçons, ou do setor de entretenimento, distribuidores povoam o mundo de objetos e objetos, jamais produzidos, sempre comprados. O ato que para tanto as personagens estão repetindo a todo o momento é o da compra” (DORFMANN e MATTELART, in: Para ler o Pato Donald, p.79).

A sociedade é representada como una, estática e harmônica, sem antagonismo de classes, e esta “ordem natural” do mundo é quebrada apenas pelos vilões, que, encarnando o mal, atentam geralmente contra o patrimônio (bancos, joias e caixas-fortes). A defesa da legalidade dada e não questionada é feita pelos “bons”, com a morte dos “maus” ou com a integração destes à norma estabelecida. Resulta daí um maniqueísmo simplista, que reduz todo conflito à luta entre o bem e o mal, sem considerar quaisquer nuanças de uma sociedade em que as pessoas e os grupos possam ter opiniões e interesses divergentes.

Além disso, ao lidar com categorias abstratas de bem e mal, o conflito é reduzido a um nível individual, psicológico, como resultado de um problema moral, e não político e social. Em outras palavras, a ênfase ao aspecto moral da ação neutraliza o conflito social, ocultando que o homem vive numa sociedade de classes: quando é “restabelecida a ordem”, ninguém questiona esta “ordem”, que na verdade nada tem de natural, já que construída pelo homem, nem este “bem”, que representa os interesses de uma determinada classe.

Aranha, Maria Lúcia de Arruda. In: Filosofando, p. 82-3.

Nenhum comentário:

Postar um comentário