Esboço apenas para estudo
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A mais antiga, talvez, das codificações dos significados da espinhosa palavra “causa” se deve a Aristóteles. Para o estagirita não havia uma causa, mas quatro, na produção de um efeito: a causa material (a fornecer o receptáculo passivo sobre que atuariam as demais causas); a formal (a promover a “essência”, “idéia” ou qualidade da coisa em questão); a eficiente (o vero externo à coisa, responsável pelo efeito; e a final (meta a que tudo tenderia ou serviria).
A doutrina aristotélica das causas atravessou os tempos e se manteve até o Renascimento. Com o advento da ciência moderna, apenas a causa eficiente se fez merecedora de interesse, abandonadas as formais e finais, porque alheias à possibilidade de experimentação, e as materiais, porque tidas como parte integrante da própria idéia de causa-efeito. O interesse pela causa eficiente se explicaria por ser ela, das quatro, a única passível de ser expressa matematicamente, por ser mais claramente concebida, por ser associada aos dados empíricos, analisados em termos de um sucesso que pode provocar outro.
Galileu, no início do século XVII, definiu a causa eficiente como “a condição necessária e suficiente para o aparecimento de algo”, aquilo que leva ao efeito e que, sendo suprimido, obsta o surgimento do efeito.
Do século XVII ao XIX os desenvolvimentos mais notáveis da física giram em torno de um conjunto de investigações concernentes às leis de movimentos dos corpos no espaço, consubstanciadas, enfim, em teorias gerais muito precisas e bem corroboradas, a que se costuma fazer referência sob o título de mecânica clássica. A tendência de dar às leis da física uma formulação matemática, nascida com Galileu, atingiu seu pleno vigor com as leis de movimento estabelecidas por Newton.
As leis de Newton relativas ao movimento acarretam que o comportamento futuro de um sistema de corpos está cabal e perfeitamente determinado desde que se conheçam, num dado instante (chamado instante inicial), as posições e velocidades dos corpos em questão e as forças que sobre eles estejam atuando. As forças podem ser externas, quando oriundas de fora do sistema em consideração, e internas, dependentes das interações entre os vários corpos que compõem o sistema sob exame. Em inúmeros problemas, as forças externas podem ser negligenciadas e das forças internas podem ser expressas em termos de posições e velocidades (dos centros de massa dos corpos).
A precisão das leis de Newton originou um problema de ordem filosófica. A sua validade, tendo-se estendido a domínios cada vez mais amplos, fez nascer uma espécie de confiança em sua validade universal. Laplace, no século XVIII, foi quem levou às últimas conseqüências essa hipótese. Supôs ele que o universo inteiro não passaria de uma coletânea de corpos em movimento, no espaço, todos obedientes às leis newtonianas. Embora as forças que agiam sobre esses corpos não fossem conhecidas, em todos os casos, Laplace supôs, ainda, que elas poderiam vir a ser conhecidas por meio de experimentação cuidadosa. Isso significava que uma vez obtidos os dados corretos a respeito da posição e da velocidade, em certo momento, o universo inteiro estaria “aberto aos nossos olhos”, perfeitamente determinado, com todos os movimentos passados e futuros descortinados ante nossa razão. Para um “espírito superior” (o demônio laplaciano”, como é chamado), capaz de conhecer posições e velocidades, e que pudesse calcular com acerto o que poderia acontecer, o universo não ofereceria mais surpresas: tudo o que viesse a acontecer já estava, afinal, perfeitamente determinado pelos acontecimentos passados.
“Devemos encarar o estado presente do universo como o efeito de seu estado antecedente e como a causa de seu estado posterior. Uma inteligência que conhecesse todas as forças que agem na natureza em um preciso instante bem como as posições instantâneas de todas as coisas do universo, estaria capacitada a englobar em uma só fórmula os movimentos dos grandes corpos bem como os dos mais leves átomos do mundo, desde que seu intelecto fosse suficientemente poderoso para submeter todos os dados à análise; para ela nada seria incerto, o futuro e o passado estariam expostos aos seus olhos. A perfeição que a mente humana foi capaz de dar à astronomia permite vislumbrar as características de uma tal inteligência. Descobertas na mecânica e na geometria, combinadas com as da gravitação universal, puseram ao alcance da mente a compreensão, em uma única fórmula analítica, do estado passado e do estado futuro do sistema universal. Todos os esforços da mente na busca da verdade tendem a aproximá-la da inteligência que acabamos de imaginar, ainda que para sempre permaneça infinitamente distante de uma tal inteligência.”
HEGENBERG, Leônidas. Explicações Científicas: Introdução à História da Ciência. 2a. ed, São Paulo, EPU, Ed. da Universidade de São Paulo, 1973, páginas 175-7.
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