(...)
O
ser, dizem os estóicos, é só aquilo que tem a capacidade de agir e sofrer. Mas
este é apenas o corpo: “ser e corpo são idênticos” é, portanto, a sua
conclusão. Corpóreos são também as virtudes e corpóreos os vícios, o bem e a
verdade.
(...)
Os
estóicos falam, na verdade, de dois
princípios do universo, um “passivo” e um “ativo”, mas identificam o primeiro
com a matéria e o segundo com a forma (ou melhor, com o princípio enformante) e
sustentam que um é inseparável do outro.
(...)
“Segundo
os estóicos, os princípios do universo são dois, o ativo e o passivo. O
princípio passivo é a substância sem qualidade, a matéria; o princípio ativo é
a razão na matéria, isto é, Deus. E Deus, que é eterno, é demiurgo criador de
todas as coisas no processo no processo da matéria”; “Os discípulos de Zenão
concordam em sustentar que Deus penetra em toda a realidade e que ora é
inteligência, ora alma, ora natureza [...].”
(...)
Dado
que o princípio ativo, que é Deus, é inseparável da matéria e como não existe matéria
sem forma, Deus está em tudo e Deus é tudo. Deus coincide com o cosmos. Dizem
as fontes antigas “Zenão indica o cosmos inteiro e o céu como substância de
Deus”. Ou ainda: “Chamam de Deus o cosmo inteiro e as suas partes”.
(...)
Com
base no que aqui foi precisado, é possível compreender plenamente a curiosa
posição que os estóicos assumiram em relação ao “incorpóreo”. A redução do ser
ao corpo comporta, como conseqüência necessária, a redução do in-corpóreo
(daquilo que é privado de corpo) a algo que é privado de ser.
(...)
A
Providência estóica, afirma-se, nada tem a ver com a Providência de um Deus
pessoal. É o finalismo universal que faz com que cada coisa (mesmo a menor das
coisas) seja feita como é bom e como é melhor que seja. É uma Providência imanente
e não transcendente, que coincide com o Artífice imanente, com a Alma do mundo.
(...)
Mas,
no contexto desse fatalismo, como se salva a liberdade do homem? A verdadeira
liberdade do sábio consiste em conformar a própria vontade à do Destino, consiste
em querer, com o Fado, aquilo que o Fado quer. Isto é “liberdade”, enquanto aceitação racional do Fado, que é
racionalidade: com efeito, o Destino é o Logos; por isso, querer os quereres
dos Destino é querer os quereres do Logos. Liberdade, pois, é pôr vida em total
sintonia com o Logos.
(...)
Nas
plantas e vegetais em geral, essa tendência é inconsciente; nos animais, é
consignada a um preciso instinto ou impulso primigênio; já no homem esse
impulso é especificado e sujeito à intervenção da razão. Viver “conforme à natureza” significa, pois, viver
realizando plenamente essa apropriação ou conciliação do próprio ser e daquilo
que o conserva e ativa. Em particular,
posto que o homem não é simplesmente ser vivente mas é ser racional, o viver
segundo a natureza será um viver
“conciliando-se” com o próprio ser racional, conservando-o e atualizando-o
plenamente.
(...)
Posto
que o instinto de conservação e a tendência ao incremento do ser são primeiros
e originários, então “bem” é aquilo que
conserva e incrementa o nosso ser e, ao contrário, “mal” é aquilo que o
danifica e o diminui. Ao primeiro instinto está pois estruturalmente ligada
a tendência a avaliar no sentido de que todas as coisas são reguladas pelo
instinto primeiro; à medida que se mostrem benévolas ou malévolas, as coisas
serão consideradas “bem” ou “mal”. O bem
é portanto vantajoso e útil; mal é o nocivo.
(...)
Pois
bem, segundo os estóicos, o bem moral é exatamente aquilo que incrementa
o logos e o mal é aquilo que lhe causa dano. O verdadeiro bem, para o homem, é
somente a virtude; o verdadeiro mal é só o vício.
(...)
Um
último ponto a considerar: a célebre doutrina da :apatia”. As paixões, das
quais depende a infelicidade do homem, são, para os estóicos, erros da razão
ou, de qualquer modo, conseqüências
deles.
(...)
“A
misericórdia é parte dos defeitos e vícios da alma: misericordioso é o homem
estulto e leviano. (...) O sábio não se comove em favor de quem quer que seja;
não condena ninguém por uma culpa cometida. Não é próprio do homem forte deixar-se
vencer pelas imprecações e afastar-se da justa severidade”.
REALE,
Giovanni & ANTISERI, Dario. História da Filosofia - Antigüidade e Idade
Média. Edições Paulinas, São Paulo, 1990, vol.I, p.256-265.
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