Comecemos pela etimologia. Corrupção: corromper; romper... Romper, eis a raiz etimológica, o radical. Mas, o que se rompe? O que é rompido?
“O real é um tecido sólido, ...”. Eis a célebre frase com que Merleau-Ponty começa seu tratado Fenomenologia da Percepção. O real é um tecido sólido. Reconhecemos, no mundo material, estruturas. Ou seja, toda matéria traz em si a tendência de formar estruturas, tanto no microcosmo, quanto no Universo. O homem, o animal político de Aristóteles, igualmente cria estruturas – as ditas estruturas sociais – e a Sociologia é a ciência que se ocupa disso: analisa, estuda, cria modelos e os propõe. Emile Durkheim, fundador da Sociologia, elaborou conceitos pertinentes, a saber: solidariedade mecânica e solidariedade orgânica. Estes conceitos dizem respeito às estruturas sociais nas comunidades primitivas e modernas, respectivamente.
Quais os princípios que têm em comum o mundo material e o mundo humano? Tecido sólido, solidez, solidariedade... E o que é um tecido sólido? Em que consiste a solidez? É possível que seja uma infinidade de fios e fibras que, em determinada combinação, oferece uma resistência tal que permite o uso desse tecido em forma de pano como vela de um barco capaz de levar o homem ao redor do mundo. O marinheiro constantemente observará muito bem esta vela, pois tudo depende da resistência, da solidez desse conjunto.
Na sociedade, as estruturas sociais devem ser entendidas da mesma forma. E a sociedade só vai bem se esse tecido social é igualmente sólido e resistente. É necessário saber resistir. No lugar de milhares de fibras e fios, o tecido social é uma combinação de homens, no caso, cidadãos. Quando fios e fibras são rompidos, esse tecido perde sua principal característica: a solidez. Ao longo desse processo, a sociedade enfraquece, perdendo sua essência: a solidariedade. A vela rasga, apodrece e, assim, enfraquece. A sociedade se decompõe.
A corrupção não atinge só os cofres públicos. Ela atinge fortemente as bases e a estrutura da sociedade – eis sua essência –, pois enfraquece o tecido social. Uma das conseqüências desse fenômeno é a confusão e perda de padrões legais e morais – os últimos seriam os mais rigorosos, diga-se de passagem – na base do senso comum. Esses padrões perdem seu rigor, e este é o primeiro passo em direção à banalização. A permissividade e a impunidade da corrupção também apontam para uma vulgarização deste mal. O tecido realmente perde sua solidez. Somente um engajamento responsável – e a responsabilidade pressuposta e necessária é tanto pessoal quanto coletiva – pode recuperar a essência dessa resistência social ameaçada e perdida pela ação da corrupção.
Foi uma longa e dolorosa caminhada que o Ocidente enfrentou para realizar a democracia e, conseqüentemente, a cidadania. Foi tudo luta e conquista. O cidadão só é o que é porque lutou para criar e realizar um novo tecido social: a democracia. É preciso cuidar.
A.G.
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