domingo, 21 de agosto de 2011

O Jogo da Vida – entre perdas e ganhos

Algumas considerações impertinentes acerca de um tema pertinente

 

Toda a Natureza é apenas arte, desconhecida de vós;

Toda casualidade, direção que não podeis ver;

Todo conflito, harmonia não compreendida;

Todo mal parcial, um bem universal.

Os versos acima foram escritos há mais de três séculos. Alexander Pope, inspirado de confiança, aponta para um significado mais profundo das aparências imediatas. Assume não saber, aceita o mistério.

Aproximadamente duzentos anos depois, Freud fala do nosso relacionamento paradoxal para com a ciência: “... somos forçados a pagar um preço insuportável por cada ganho importante de conhecimento: o custo psicológico da perda progressiva da condição de centro... e conseqüentemente uma sensação cada vez maior de marginalidade num universo onde estamos entregues à nossa própria sorte”. Com Freud aprendemos que não somos o centro de nós mesmos.

A ciência explica cada vez com mais detalhes e precisão como a vida se dá – mas, ciência nenhuma consegue dizer o que a vida é. Portanto, não sabemos o que é vida. Sabemos o que é jogo, isto sim. Conhecemos inúmeros e a essência é sempre a mesma: ganhar ou perder.

A vida é jogo? Não podemos comparar um piloto da Fórmula 1 com um bombeiro que, por exemplo, em 11 de setembro subiu nas Torres Gêmeas, arriscando e perdendo sua vida na tentativa de salvar outras. O piloto “brinca” com a sua vida, joga... Não há nada de heróico nisso, somente pobreza, talvez tristeza (Exupèry).

Em “A ética do respeito pela vida”, Albert Schweitzer, teólogo luterano, médico, diz: “Em Descartes o filosofar parte do: ‘Penso, logo existo’. Com este pobre e aleatório ponto de partida, a filosofia é irremediavelmente empurrada para o abstrato e não encontra mais o acesso à ética... A filosofia deve partir da mais imediata constatação da nossa consciência: ‘Eu sou vida, que quer viver, no meio de vida, que quer viver’”. Com isso, Schweitzer faz uma escolha e se afirma numa condição: o profundo respeito pela vida.

Somos condenados a fazermos escolhas. Eva escolheu, optou pelo fruto; Pandora abriu a caixa; Sócrates e Cristo escolheram a morte para que os ensinamentos pudessem continuar vivos.

O homem é massa pesada (Exupèry), toma decisões de peso. Viver é “ser-no-mundo” (Jaspers), entende-se a palavra “ser” como verbo. A visão-do-mundo hoje funda-se sobre o paradigma Liberdade, que fez cair o muro, cujos escombros soterraram a igualdade. Foi vontade nossa. O liberalismo está na base econômica da sociedade, assim como de uma nova ordem amorosa com suas reivindicações.

Ora, se desejo é pulsão, então a idolatria do corpo e das sensações é contrária à liberdade humana. O ganho é perda. Por exemplo: namorar é compromisso, responsabilidade. Portanto, “ficar” é usufruição. O corpo é submetido, estamos no mundo da troca, da coisificação.

Depois da Religião “light” (Comblin, sobre o neo-liberalismo), a pós-modernidade trás a felicidade “light”. O senso comum em transformação. A escola, enquanto instituição, também está diante de uma escolha: ensinar a arte de viver ou ensinar como o mundo é.

Santo Agostinho, obcecado em alcançar o absoluto, resolve dispensar Flória, sua esposa, doravante rebaixada a concubina nos textos da Igreja Católica. Ele almejava a liberdade total do espírito, e para obter esse ganho seria necessário abdicar das sensações, a “perda” do cônjuge seria a condição para “ganhar” tal liberdade. Livrou-se do mundo das sensações? Não. Ficou inconformado ao perceber que o espírito até pode comandar o corpo –viver num regime de castidade, mas não consegue-se impedir os sonhos eróticos. Não se manda no espírito, ele não obedece. Freud explica. Há escolhas que ultrapassam nosso poder, nossa condição humana.

Platão não teve a pretensão de alcançar o absoluto. Melhor: teve o cuidado de não definir as coisas últimas; se colocou humildemente, e com respeito, diante do Mistério. Apenas indicou uma direção: buscar o Bem.

Modernos e Pós-modernos reformularam este legado, transformando o Bem em Bem-estar. Perde-se um Fim metafísico. Quando perdemos o paraíso, já havíamos ganho o livre arbítrio e a consciência. Ganhamos e perdemos, não porque jogamos – isso significaria sermos omissos, deixarmos as coisas ao acaso, à mercê. Ganhamos e perdemos porque fizemos cada vez uma escolha, livre, intencional, responsável e consciente.

A.G.

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